Uma francesa descreveu em 2012 algo que eu nunca sonhei que vivenciaria, ainda que anos mais tarde do que ela. No documentário “O cérebro de Hugo”, Brigitte Et Cyril foi direta. “É muito difícil não estar em uma relação com o seu próprio filho. Nós nos sentimos julgadas e deficientes no nosso papel de mãe”.
Ela tinha razão e era, exatamente assim, que eu me sentia: impotente, perdida, e não raras vezes, culpada. Por que eu não conseguia brincar com meu filho de 2 anos? Por que ele não se interessava pelas figuras de animais que eu mostrava e colava na parede da nossa sala? Por que ele não atendia quando eu o chamava pelo nome?
Olhares alheios, enviesados, serviam como resposta silenciosa que se tenta esconder, mas que não se furta de vir à tona. Abruptamente exclamadas. “Vocês, pais, o mimam demais!” “Vocês não estão dando oportunidade para ele pedir as coisas!” “Isso é superproteção!”. E, em meio a tantas suposições e poucas certezas, meu coração se angustiava ainda mais. Só. Extremamente só.
O período que antecede um diagnóstico de autismo é realmente confuso. Muitas desconfianças, comparações, a vontade de negar o que se vê, a busca incessante por informações. Mas creio que é exatamente neste momento, quando se está ávido por desbravar a realidade que se insinua - seja por meio de livros, de sites, filmes e, claro, consultas com profissionais da área de Saúde - que começamos a deixar a solidão para trás. Sim, é muito provável que o luto ainda esteja presente nesta fase. Na verdade, pode ser que ele demore a findar – cada um tem o seu tempo; não vamos aqui entrar neste mérito. Mas o “compartilhar experiências” tem um trunfo poderoso: ressignifica nossa dor e nos faz caminhar de mãos dadas.
Brigitte Et Cyril não está só. Nunca esteve. Na época em que foi lançado “O cérebro de Hugo”, obra que mistura ficção a depoimentos reais de pais e pessoas com a Síndrome de Asperger (considerado um grau mais leve do autismo), a estimativa era de que existiam 600 mil autistas na França, dos quais 100 mil crianças. No documentário de 97 minutos há várias dúvidas que pululam de mentes diferentes. Temas como peregrinação por um diagnóstico correto, inclusão escolar, tipos de tratamento, relações interpessoais, amizade, namoro, trabalho. E tudo isso cruza fronteiras, países, oceanos. Chegou ao Brasil. Chegou até mim.
Assim como Brigitte, também não estou só. Seja durante um café da tarde com a Amanda ou numa gravação de vídeo animada com a Bruna - todos esses compromissos marcados, claro, durante o momento em que nossos filhos estão em terapia. Não estamos só. Dividimos as mesmas angústias e inquietações, alegrias e tristezas, e até perdas de cabelos, horas de sono, mas também sorrisos arrancados de uma proeza inusitada do rebento. Experiências semelhantes à de outras milhares de famílias brasileiras – em nosso País, não existem dados oficiais, mas trabalha-se com o número, sabe-se que subestimado, de 2 milhões de autistas.
Sim, creio que é muito mais do que você imaginava, e, acredite, as estatísticas têm aumentado cada vez mais. Recentes estudos do Center of Diseases Control and Prevention (CDC) – órgão norte-americano próximo ao que representa nosso Ministério da Saúde – apontam que para cada grupo de 68 pessoas, uma é autista.
Por isso, deixo meu recado final a você, mãe, que acabou de receber um diagnóstico como aquele que recebi em 2015. Não é o fim do mundo. Essa dor vai passar. E, não, você não tem culpa de nada. "Nós nos sentimos julgadas e deficientes no nosso papel de mãe”. Você não precisa carregar a aflição que Brigitte carregou. A ciência já provou que, a despeito do que alguns teóricos propalaram há alguns anos, a causa do autismo é biológica. B-I-O-L-Ó-G-I-C-A. Você não superprotegeu seu filho, não o mimou demais, não deixou de colocar limites ou o traumatizou. Não se esqueça: a palavrinha que faz toda a diferença nesse processo é muito mais curta e simples: A-M-O-R!
*Artigo publicado originalmente no jornal Tribuna do Planalto (02.04.18)
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