- Doutor, deixa ver se eu entendi. O senhor está me falando que meu filho está no espectro do autismo?
- Sim, o espectro é muito amplo, varia de graus muito leves a severos. Por ora, podemos falar que ele tem um transtorno invasivo do desenvolvimento. E que vai precisar ser estimulado por meio de terapias.
- Terapias? Quais? – questiona uma mãe ainda em choque, anestesiada com a notícia que acabara de receber.
- A terapia científica mais indicada é a ABA.
Terapia ABA? Mas que raio de terapia é essa? ABBA, pra mim, é o quarteto sueco que fez sucesso na década de 1970 e que eu fiquei conhecendo depois de assistir ao filme “O casamento de Muriel”.
Os pensamentos não davam trégua. Cada novo termo ouvido no consultório médico mesclava-se, naquele dia 4 de março de 2015, à músicas como Dancing Queen, Fernando e Mamma Mia, num ritmo totalmente alucinante e inverossímil para um momento tenso, triste, sofrido, como aquele. ABBA, para mim, se tornava agora ABA. Pra sempre. Eu não estava num filme. Aqui a gente fala de vida real, mas tal qual na sétima arte, sempre há um propósito, uma lição de vida.
“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês”, diz o Senhor, “planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro”. Jeremias 29:11
Sim, caro leitor, parece loucura acreditar em esperança e futuro depois que se ouve que seu filho de 2 anos e 2 meses está no espectro do autismo. Mas quer saber? Este roteiro está bem longe de se assemelhar a qualquer um de teor apocalíptico. Não mesmo. Nosso longa-metragem é de amor e superação. De solidariedade e conquistas. De sorrisos, beijos e abraços. Claro, há os momentos de “caverna”, de becos que parecem sem saídas, de choro. Mas eles não prevalecem. Dá só uma olhada no ‘trailer’ e nas mensagens do meu ‘filme de cabeceira’ agora. Ah, o nome da película? “João Lucas, meu pequeno coach”.
- João Lucas me ensinou que é muito melhor “ser alegre do que triste”, como já propagava o poeta Vinicius de Moraes em seu “Samba da Bênção”. Se não fosse meu filho, talvez eu insistisse em ter uma visão pessimista da vida. Com apenas 2 anos, ele me ‘obrigou’ a ver que a “alegria é a melhor coisa que existe. É assim como luz no coração”. Ou eu tomava esses versos como verdade, ou não sei onde iria parar;
- João Lucas me ensinou que a vida é feita de etapas e processos e que, muitas vezes, o percurso é longo, sim, mas o caminho só se faz caminhando. Ninguém nasce pronto. É preciso paciência, persistência. Saber encarar os defeitos, as fragilidades, ouvir críticas. Mas os progressos aparecem. Com pouco mais de um ano de terapia, meu filho já acumula conquistas. E isso se estendeu, quase que involuntariamente, para minha vida profissional;
- João Lucas me fez ir atrás de velhos sonhos, coisas que a gente guarda na gaveta achando que não merece desfrutar. As conquistas dele me escancararam que eu não tenho o direito de desistir daquilo de que gosto e acredito. Ele não desiste! Ele não reclama de enfrentar oito horas de terapia ABA, mais duas sessões de fonoaudiologia, uma de musicoterapia, outra de terapia ocupacional, além de 20 horas semanais na escola. Ele segue em frente; eu também vou seguir em frente;
- João Lucas me fez descobrir o valor da minha profissão. Depois de 13 anos de formada, a gente corre o risco de entrar no ‘piloto automático’, esquecer a importância ou até questionar o dom que Deus nos deu. Hoje eu sei por qual razão sou jornalista e não médica, arquiteta ou advogada. Hoje sei por que trabalho em uma emissora de TV. Divulgar informações sobre o autismo é um modo de ajudar outras famílias que passam pela mesma situação e também de ressignificar um momento que poderia ser de “luto eterno”, transformando-o, de forma deliberada, em uma corrente do bem;
- João Lucas me mostrou quão solidário o ser humano pode ser. Durante os 30 dias de abril, mês dedicado à conscientização do autismo, fiz uma campanha no meu trabalho para vender camisetas da Associação dos Amigos do Autista (AMA) de Goiânia e me surpreendi com o resultado. Meus colegas não se contentaram apenas em adquirir a vestimenta para ajudar a instituição. Foram muito além, andaram a “segunda milha” sem eu pedir: ligaram para outros jornalistas sugerindo a pauta do autismo; utilizaram equipamentos próprios para que eu gravasse um vídeo para o YouTube; compartilharam as fotos em suas redes sociais. Simplesmente, eles escolheram amar;
- João Lucas me fez entender que eu também tenho limites, pontos fracos, fragilidades, mas que está tudo bem, não há nada de mal em falhar, errar, tropeçar. Não há nada de mal em ser diferente. E hoje posso dizer que a auto-aceitação é um dos melhores aprendizados desta vida, pois ela reverbera de forma positiva em diversas outras áreas;
- João Lucas me fez, aliás, me faz ver como é bom viver intensamente o presente, e deixar passado e futuro onde devem ficar: fora do meu alcance;
- João Lucas me provou que não são apenas os momentos bons que passam, os ruins também; basta ter um pouquinho de paciência;
- João Lucas me ensinou a sorrir quando se entra na piscina; a ficar quietinha quando o vento acaricia o nosso rosto; a contemplar a paisagem da janela do apartamento;
Ele me ensinou, ele me ensina todos os dias. E, sim, tem horas que não me canso de questionar a Deus. Por que? Por que? Por que, não sendo eu merecedora de dádiva alguma, fui agraciada com um personal coach que trabalha quase 24 horas diárias, sete dias por semana, de forma incessante, para que eu encontre a minha melhor versão? Para que eu amadureça em um ano mais do que os 34 que tinha vivido? Para que eu viva os sonhos que sonhei e deixe pra trás medos, angústias e opiniões alheias? Sinceramente, não tenho todas as respostas; não tenho sequer uma. Mas mesmo diante da indefinição, da incompletude, das interrogações, meu pequeno coach me ensinou mais uma coisa: não dá pra passar por essa vida sem semear e colher gratidão!
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