Enxergar os defeitos sem golpear a autoestima. Como?

por Erika Lettry

Você já conseguiu resolver a seguinte equação?

Como observar as suas próprias falhas para mudá-las sem golpear a autoestima?

Autoestima costuma ser um bichinho escorregadio. Basta uma falha, um olhar torto, uma porta fechada, uma lataria amassada ou um fio branco recém-descoberto para colocá-la em xeque. Reconstruí-la, por outro lado, demanda muito mais desempenho!

Por isso não é tão fácil lançar luzes sobre nossos defeitos. Ninguém quer admitir que alimenta dentro de si pequenos monstrinhos. Não que devamos colocar holofotes sobre os nossos defeitos - acho isso até um pouco doentio. Mas admitir que não somos lá essa Brastemp toda e nos esforçarmos para mudar é sempre muito proveitoso.

Quando comecei a terapia fiquei muito aflita ao enxergar tantos defeitos. Foi um choque perceber que passei a vida toda sendo a falsa boazinha, investida de falsa culpa quando flagrada no erro, para conquistar o amor das pessoas. Tão logo me dei conta disso caí em outra armadilha: fiquei agressiva e ríspida por não me sentir mais obrigada a agradá-las.

Agora estou alcançando o ponto de equilíbrio. E olhar os meus defeitos atenciosamente foi fundamental para a minha mudança. Fazer este exercício é dolorido? Sim, até hoje. Mas fingir que os defeitos não existem é muito mais danoso. Hora ou outra eles vão encontrar um jeito de ser expor, só que fora do nosso controle.

É por isso que tenho ficado cada vez mais cética em relação à religião ou até mesmo em relação à minha amada yoga. Querer mostrar ao mundo só o quanto somos bons, amáveis, benevolentes e caridosos me soa como uma auto enganação. No fundo do armário os nosso monstrinhos presos gritam para sair e uma hora vão conseguir romper as portas.

Reconhecer e “abraçar” o mal

Envolvimento com drogas, comportamento sexual sem responsabilidade, agressividade, tudo isso está relacionado ao mal em nós que não queremos reconhecer. Temos de enxergá-lo e, mais do que isso, abraçá-lo. Reconhecê-lo. Dar voz e expressão (de uma forma segura) a ele. Sobre isso Eva Pierrakos escreveu um livro maravilhoso chamado “Não temas o mal”, que merece uma boa leitura e vai te ajudar a entender muito melhor o que tento dizer.

Então, como resolver aquela equação que falei no início? Não existe uma fórmula, claro. Mas me ajudou muito na terapia saber que sou um ser que, em sua complexidade, abriga vários Eus. Não sei usar a nomenclatura correta, mas vou me arriscar a explicar. Temos o chamado Ego, que é como nos apresentamos ao mundo. O Eu Inferior, que é o que escondemos do mundo. E o Eu Superior, que o que temos de melhor em potencial para ser usado.

Eu não sou só Ego, nem só Eu Inferior, nem apenas Eu Superior. Sou uma mistura disso tudo, tentando dar conta do mundo à minha maneira. Às vezes eu sou um little monster agindo de forma egoísta? Sim, muitas vezes. Mas também tenho empatia pelas pessoas, sou boa ouvinte e tenho uma profunda necessidade todo ser que é vítima de qualquer tipo de preconceito.

Hoje, pela minha própria experiência, não acredito muito em quem não expõe um defeito que seja. Que, diante de uma adversidade, corre a unir as mãos ao peito e dizer “gratidão” antes do belo e sonoro xingamento. Como também não acredito na maldade incurável.

O mal tem cura?

Há muitos anos li um livro muito impactante chamado “Memórias de um menino-soldado”, sobre crianças na África que eram escaladas para as guerras civis e cometiam as piores atrocidades.

O rapaz que escreveu o livro matou muitas pessoas, chegando até a enterrá-las vivas. Irrecuperável? O senso comum diria que sim. Mas uma ONG dos Estados Unidos pensou diferente e desenvolveu um trabalho para recuperar crianças assim. Acreditaram na existência do tal Eu Superior. E o resultado é que o menino recebeu tratamento adequado, moradia, amor e se recuperou totalmente.

Ishmael Beah
Ishmael Beah, o ex-menino-soldado. Foto: www.npr.org

O exemplo foi extremo, mas fica aqui o principal: a autoestima resiste firmemente à tarefa de buscar o autoconhecimento. Mais do que isso: é reforçada por ele. Não acredite só no seu lado bom, nem só no seu lado ruim, nem só naquilo que você quer que os outros vejam. Se enxergue em toda a sua inteireza e complexidade. É daí que nasce a verdadeira autoestima.

Fotos: Pixabay | claus_indesign e James_Jester

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